Fifty years of The Structure of Scientific Revolutions, twenty-five of Science in Action

Sessão de 19 de Fevereiro de 2013, Pedro Raposo

AA.VV.,
Fifty years of The Structure of Scientific Revolutions, twenty-five of Science in Action
, (special issue). Social Studies of Science, vol. 42, nr. 3, June 2012

Aproveitando a coincidência entre as bodas de ouro da Estrutura das Revoluções Científicas e das bodas de prata de Science in Action (SiA), a conceituada revista Social Studies of Science (SSS) dedicou uma secção temática do número 42 de 2012 a estas duas obras e aos seus autores,1 convidando proeminentes historiadores, filósofos e sociólogos a pronunciarem-se sobre o seu impacto, actualidade e potencial para orientar novas investigações. O resultado é um conjunto de artigos bastante heterogéneo, onde encontramos manifestos de ruptura e continuidade relativamente a ambos os autores. De um modo geral, ressalta do conjunto que Kuhn é já, sobretudo, história, e que foi menos influente na História das Ciências (HC) do que poderíamos pensar. Kuhn surge aqui problematizado sobretudo em termos do seu lugar na genealogia dos Science Studies, sendo a pretensa originalidade das suas propostas confrontada com o contexto em que emergiu a Estrutura e com as apropriações que Kuhn fez de ideias e conceitos que já estavam presentes noutros autores. Em consonância com a ordem cronológica das coisas, o mais recente SiA e o seu autor surgem aqui revestidos de muito maior actualidade, quer para os Science Studies quer para a HC (ainda que, note-se, os dois campos sejam, de um modo geral, tratados de forma indistinta). A primeira questão que se poderia colocar – se faz sentido, para além da coincidência das “bodas”, colocar as duas obras lado a lado – parece-me, por isso, pouco interessante, pois não carece de demonstração a grande influência de ambos os livros em foco, e até mesmo para o mais datado Kuhn não deixam aqui de surgir propostas no sentido de uma certa continuidade. 

Lynch & Mialet
Comecemos então por seguir Michael Lynch2 e questionar o que separa e aproxima os dois livros. Lynch, editor cessante da SSS, parece-me acertar ao apresentar a Estrutura e o SiA como sendo exemplificativos das próprias ideias que veiculam: Kuhn operou uma revolução no modo como abordamos a ciência o seu desenvolvimento histórico, e Latour foi indubitavelmente bem sucedido em construir uma amplo actor-rede para a sua abordagem. Lynch aponta também as semelhanças entre o conceito de matriz disciplinar (apresentado no posfácio à segunda edição da Estrutura) e o de actor-rede, assim como o facto de ambos os autores se terem servido de uma retórica revolucionária. No entanto, deixa em aberto a questão da agência, que assinala como o fulcro das diferenças entre Latour e Kuhn, e que por isso mesmo mereceria pelo menos uma discussão preliminar. Isso ajudar-nos-ia certamente a responder à questão contra-factual lançada por Hélène Mialet, “onde estariam os Science Studies sem Bruno Latour?”3, de forma mais concreta do que o faz a própria autora. Mialet, discípula de Latour, estende o exercício de aplicação de Science in Action ao próprio livro e ao seu autor, chegando mesmo a questionar se SiA não se tratare alimentar o capaz de gerar debate. assim um retarto mais va e autor toca na questas dos dois gigantes ocidentais como merameá, afinal, de uma autobiografia. Ou, poder-se-ia acrescentar, de uma espécie de autobiografia avant-la-léttre, de um projecto de vida intelectual que logrou ter uma concretização particularmente feliz. Também o texto o texto de Mialet é uma feliz sinopse biográfica, e até auto-biográfica, pois a autora é ela própria parte integrante do actor-rede de Latour. E ao desfiar a sua breve digressão reflexiva revela-se hábil em atenuar o compreensível tom encomiástico que lhe está subjacente. Apresenta-nos um Latour em contexto, assinalando interesses e divergências intelectuais, e personagens que o influenciaram, oferecendo-nos assim um retrato mais vívido do nascimento do SiA. Mas é obviamente noutras contribuições que temos que procurar o criticismo capaz de gerar e alimentar o debate.

Fuller
É interessante notar que, dentre os autores que contribuem para o conjuntoa, são os filósofos que parecem tomar as posições mais pragmáticas. Partindo de uma percepção de que uma difusa mas poderosa ordem neo-liberal se apoderou da academia, moldando os rumos à investigação universitária, Steve Fuller4 vem defender a abordagem de carácter normativo subjacente à subdisciplina que ele próprio promove, a epistemologia social. Kuhn e sobretudo Latour, se não os autores, pelo menos os livros em foco e a difusão e influência que tiveram, são apontados como culpados pela demonização da simples ideia de que a ciência, enquanto actividade intelectual, possa ser autónoma da sociedade em que se insere (ainda que, neste ponto, seja preciso ter em consideração que o próprio Kuhn apreciava a ideia das comunidades científicas isoladas – mas também Michael Lynch recorda que SSR e SIA foram apropriados e recontextualizados muito para além do que os próprios autores desejariam). Fuller critica especialmente a homogeneização ontológica operada por Latour que, fugindo a caracterizar a ciência como uma forma específica de actividade humana para a descrever essencialmente como um processo de extensão de redes, coloca num mesmo plano todos os entes (ou actores) envolvidos, humanos e não humanos. Uma tal concepção de ciência sobrepõe-se ao dualismo internalismo/externalismo apagando definitivamente do horizonte a simples possibilidade uma ciência orientada essencialmente pelos ditames da investigação desinteressada e do jogo intelectual da procura do conhecimento. A visão de Fuller reveste-se de um ostensivo idealismo (no sentido da defesa de um ideal de independência académica), mas o facto de muitos dos centros de investigação em STS e dos mais sonantes nomes da área se situarem presentemente em molduras institucionais orientadas para as questões dos mercados e dos negócios, não só dá força à sua crítica como confere pertinência à sua proposta normativa. Este é talvez um dos pontos que deverá merecer uma maior atenção na discussão: terão Kuhn e Latour, por força da difusão e impacto dos livros em análise, condenado condendenars em an umafessor que defende abertamente estas ideiass seu mangle, lgo evasiva eender a natureza como umapor força condenado condecondenado os Science Studies, incluindo aqui a HC, a submeterem-se a interesses e agendas exteriores ao mundo académico? Ou será o seu sucesso, para utilizar a expressão de Michael Lynch, auto-exemplificativo, na medida em ele próprio reflectiria essa promiscuidade entre o mundo universitário e tudo o que o rodeia? E nesse caso será possível quebrar o círculo? Mas importa também questionar se, uma vez que os Science Studies se prestam a conceptualizar uma ciência que interessa à ordem neo-liberal, não é isso também um projecto normativo? Nesse caso, o problema não está em tomar ou não uma abordagem normativa, mas antes na forma de normatividade que se escolhe. 

Turner
Stephen Turner5 aborda o modo como, ao “socializar”, sob a forma de paradigma, a ordem conceptual que o neo-kantismo defendia existir na física, Kuhn abriu caminho para o relativismo nos Science Studies, uma vez que o paradigma continha as suas próprias bitolas de sucesso, baseadas em premissas destituídas de efectivo fundamento racional. Quanto a Latour, Turner assinala que a teoria actor-rede “des-epistemologizou” o social e excluiu a explicação cognitiva da bateria de recursos a empregar no estudo da ciência, tendo Latour, colocado o foco na descrição, em detrimento das várias explicações alternativas que pretendia ultrapassar. Turner considera que as explicações fornecidas pela teoria actor-rede não chegam sequer a ser explicações, constituindo, na melhor das hipóteses, descrições. Neste ponto Turner parece confirmar o sucesso da estratégia defensiva de Latour que consiste afirmar que pretende descrever e não explicar. Mas o ponto importante a reter da crítica de Turner é a ênfase que atribui aos agentes da rede dotados de intencionalidade e às suas crenças sobre os factos sumarizados na descrição da rede, o que o autor toma como sinal de que é preciso voltar à epistemologia. Propõe então “epistemologizar” o social, de modo a compreender-se como se formam as crenças, o que implica conhecer quer os sujeitos, quer as rotinas institucionais em que estes se envolvem. Avisa que será necessário colocar questões politicamente incómodas – e.g., quando se deve acreditar nos especialistas, quando é que podemos confiar no processo de formação de consensos científicos. Mas uma vez que não nos deixa quaisquer pistas concretas sobre o modo de implementar a sua proposta de epistemologia social, perguntamo-nos até que ponto é que tem resposta esta questão igualmente incómoda – terão os próprios epistemólogos e filósofos da ciência algo de credível a dizer sobre estes problemas? 

Pickering & Collins
Apesar de as respectivas obras deixarem transparecer uma especial preocupação com essas questões, Andrew Pickering e Harry Collins optam aqui por se centrarem em Kuhn, adoptando uma postura ao mesmo tempo crítica e heurística. Numa curiosa fusão de paradigmas (que é também auto-exemplificativa da posição do autor) Pickering6 parte da noção taoista de que o mundo está em permanente fluxo para caracterizar os paradigmas como resultantes da procura de ilhas de estabilidade. Eae deve acreditar nos especilistasdeverm ser clocadas - quando stemologizou"para alçentntlmn Kuhn por Keoyr a natureza como umanfatiza a noção de “mundos diferentes”, mas apela a uma abordagem desta noção em que a diversidade nos modos de apreender a natureza é vista como uma possibilidade de inovação e adaptação, e não como algo negativo. Essa pretensa negatividade prender-se-ia com o problema da racionalidade – se os cientistas se convertem de um paradigma para outro (ou seja, mudam de mundo) de forma sobretudo intuitiva, então a mudança em ciência é um processo eminentemente irracional. Pickering faz uma abordagem ligeira e algo evasiva deste problema, mas escuda-se eficientemente na proposta de que a natureza permite vários modos de coexistirmos com ela, ao nível dos conceitos e sobretudo das práticas. Faz uma ostensiva apologia dessa diversidade, e da ciência enquanto adaptação a uma natureza em fluxo, ainda que pouco nos diga sobre o que perfaz a consistência interna de cada um dos mundos diferentes que invoca como exemplos. Mas uma vez que se serve do seu próprio trabalho, isto é algo a ser procurado nos seus textos de referência, e não neste breve comentário. De um modo geral, poder-se-ia dizer que Pickering assume uma postura neo-Kunhniana, dando mais ênfase às práticas e à materialidade do que aos conceitos, e substituindo a incomensurabilidade por um enfoque nas possibilidades de comunicação entre paradigmas. Resta saber se ainda tem alguma utilidade este Kuhn transfigurado, ou se não nos servirá melhor o actor-rede para descrever a formação destas ilhas de estabilidade. Claro que Pickering preferira, seguramente, o seu mangle,7 que é, em grande medida, ANT sob a forma de uma metáfora tecnológica. 

Também Collins8 opta por enfatizar a questão da comunicação. Começa por abordar o contexto em que a Estrutura foi escrita, apontando alguns trabalhos antecedentes, nomeadamente os de Fleck (que, diz-nos Collins, pensava como um cientista, de forma reflexiva), Wittgenstein, e sobretudo Peter Winch. A ideia-força que, segundo Collins, já estava presente nestes autores e que foi explorada por Kuhn é que os paradigmas são formas de vida em ciência. Não se pode separar um paradigma conceptual de um paradigma prático, porque na vida colectiva a ideia torna-se inseparável da prática. Apesar de relativizar o carácter inovador da Estrutura, Collins concede a Kuhn o mérito de ter desencadeado uma nova forma de pensar a ciência, e considera não só que não haveria ideia de incomensurabilidade sem Kuhn, mas também que esta ideia requer mais trabalho exploratório, constituindo uma importante linha de investigação a ser desenvolvida. Collins descarta a noção de “trading zones” empregue por Galison como um simples artifício linguístico para exprimir o facto de que indivíduos situados em diferentes paradigmas comunicam entre si; por conseguinte, deixa em aberto o modo como efectivamente se processa esta comunicação. E aí reside a possibilidade de ainda estendermos o que Kuhn aflorou na Estrutura

Dear & Jasanoff
Peter Dear e Sheila Jasanoff assinam dois dos texto mais fortemente críticos do lote. Dear9 dissocia-se do espírito celebratório do conjunto, argumentando que Kuhn teve pouca influência na história da ciência, e que algumas das questões centrais exploradas em Science in Action (nomeadamante a anulação da distinção entre epistemologia e ontologia) não geraram especial interesse entre os historiadores. Em vez de celebrar as duas obras e os seus autores, Dear salienta que estes já têm vindo a ser longamente celebrados - o que não constitui prova de influência, sendo esta, aliás, um fenómeno bastante difícil de avaliar, como aponta Dear. Se Harry Collins nos apresenta um Kuhn prosperando intelectualmente com recurso a ideias e conceitos previamente lançados por Finch e Wittgenstein, Dear acentua o apego de Kuhn por Koyré, cujo estilo de história intelectualista não coincide com a imagem habitual da Estrutura e do seu impacto. Segundo Dear, a Estrutura adquiriu um estatuto mítico nos Science Studies por ter afastado a filosofia da ciência do empirismo lógico e a sociologia da ciência do funcionalismo mertoniano, abrindo assim caminho aos trabalhos revolucionários de Donna Haraway e do próprio Latour. De resto, terá sido a filosofia da ciência o principal receptáculo da Estrutura. Note-se o contraste com Steven Fuller, relativamente à questão da autonomia das comunidades científicas. Fuller faz uma apologia do normativismo em prol da livre investigação, procurando, nessa linha, resgatar Kuhn das leituras que o colocaram na senda de uma ciência que não pode ser desligada dos seus contextos mais amplos. Já Dear apresenta a Estrutura como um eco do modelo de uma ciência livre e democrática que era propalado nos EUA durante a Guerra Fria, mas que, como o próprio Dear sardonicamente aponta, colidia com a realidade de um meio científico dependente de fontes externas de financiamento, e por mesmo sujeita a interesses vários. Este ponto deve ser visto à luz da recente polémica que opôs Peter Dear e Sheila Jasanoff a Lorraine Daston, a propósito da aproximação entre os Science Studies e a História da Ciência. Defendendo uma aproximação entre estes dois campos como uma forma de abordar o complexo entrosamento da ciência com sociedade, a economia e a política, Dear e Jasanoff contestam a proposta de Daston de uma reaproximação entre a história da ciência e a filosofia da ciência, que vêm como uma deriva intelectualista contrária a uma forma de estar na vida académica preocupada com o mundo que a rodeia. Ou seja, se de facto a vida académica não pode ser separada do mundo em que insere, mais vale assumi-lo e seguir precisamente por aí. Compreende-se assim o certo desdém com que Dear retrata um Kuhn fascinado com a ideia de comunidades científicas isoladas, e que tomou como modelo historiográfico a obra de um historiador interessado, acima de tudo, no conteúdo intelectual da ciência (Koyré). No entanto, se Dear parece estar certo ao relativizar a influência de Kuhn no modo como se tem vindo a fazer história da ciência, é menos convincente no modo como caracteriza a influência de Latour entre os historiadores, pois aborda o assunto em termos de questões conceptuais quando o grande impacto historiográfico de Latour reside, assim me parece, na pregnância dos artifícios idiomáticos que habilmente introduz em Science in Action: “centros de cálculo”, “acção á distância”, etc. Fosse pela influência do próprio Latour, ou simplesmente pelo progressivo esgotamento dos tópicos históricos centrados nas grande figuras, instituições e centros de produção, uma atenção cada vez maior a temas históricos em que a circulação, a comunicação, os impérios e os espaços coloniais, garante uma utilidade prolongada para o idioma latouriano, mesmo que os historiadores estejam pouco preocupados em discutir as questões conceptuais subjacentes a Science in Action. E sendo Dear um defensor da aproximação entre os Science Studies e a HC, é estranho não encontrar aqui um motivo de contentamento: pois se o idioma kunhiano se expandiu sobretudo para além das áreas disciplinares mais directamente relacionadas com a Estrutura, o idioma de Latour tem claramente uma forte presença na HC, consistindo portanto uma via de aproximação. 

Jasanoff10 reconhece plenamente esta pregnância idiomática, mas referindo-se aos Science Studies (ainda que aparentemente tome o campo como inclusivo da história da ciência, o que é coerente com a posição partilhada com Dear, e que acabo de referir). O artigo de Jasanoff é talvez dos que assumem uma posição reflexiva e crítica mais forte. A autora começa por caracterizar o número temático da SSS como um exercício de identidade de grupo, avançando depois para uma severa caracterização de Kuhn, em que este é retratado como detentor uma imaginação social pobre, que se reflecte quer na visão machista da ciência que oferece na Estrutura, quer na pouca importância que nessa obra (e no seu trabalho em geral) concede às interacções sociais. Se Kuhn deve ser invocado quando se traça a genealogia dos Science Studies, então deve sê-lo sempre juntamente com Fleck, que a autora apresenta não apenas como um percursor de algumas das ideias apresentadas na Estrutura, mas sobretudo como um pensador mais subtil, que se debruçou sobre as questões da subjectividade e da comunicação (poderíamos então dizer, inter-subjetividade), tendo inclusivamente mostrado alguma sensibilidade à questão do género. Também Latour é alvo de fortes críticas. Segundo Jasanoff, Latour não oferece senão uma abordagem de vistas curtas à complexidade da ciência. Isto porque, argumenta a autora, ao prescrever que devemos seguir os engenheiros e cientistas para analisarmos as controvérsias científicas, Latour coloca uma ênfase nos actores que negligencia importância da sociedade, da cultura e das instituições no desenrolar dessas mesmas controvérsias. E avança que devemos mesmo deixar de abordar as controvérsias em termos de quem ganha, e em vez disso questionar quem beneficia com o resultado das controvérsias, e para que fins. Ainda que use o termo apenas de forma tangencial, Jasanoff faz claramente uma apologia do seu idioma alternativo, dito de co-produção, que supostamente permitiria proceder a uma caracterização mais abrangente não só das controvérsias científicas mas de toda a complexidade das interacções entre a ciência, a tecnologia e os seus contextos sociais, políticos e económicos. Já discutimos este tema aqui no Journal Club11 e não resisto a reiterar que, ainda que concorde com Jasanoff relativamente à atenção alargada que devemos dar a estas interações, o seu idioma pouco parece trazer de novo. Percebe-se que autora quer vincar a sua influência (que já é enorme) nos Science Studies, e que a orienta uma clara noção de que triunfará quem apresentar o idioma mais pregnante. Mas não será o seu idioma da co-produção apenas mais um “fogo de artifício verbal”, expressão com que se refere indirectamente ao idioma latouriano?

Lagesene
Igualmente preocupada com questões de género está Vivian Anette Lagesene, que assina o que eu considero tratar-se da contribuição mais desinteressante de todo o conjunto. O seu texto transmite a sensação de ter sido escrito à pressa porque sim – era imperativo haver um artigo sobre Science Studies e género. Carece totalmente do fôlego crítico da maioria dos restantes textos e da graciosidade do encómio de Mialet, oferendo uma espécie de apologia ilustrativa que nem sequer se refere à obra de Latour em foco, mas antes ao mais tardio Reassembling the Social. Ainda assim, se a sua intenção era mostrar que, ao contrário do que apontam as críticas feministas, Latour lançou ideias importantes para os estudos de género, não fica claro em que medida em que estas ideas podem potenciar uma abordagem que permita avançar significativamente para além dos binários e essencialismos tradicionais. Lavesen parece, pelo contrário, mostrar que afinal Jasanoff tem razão quando fala de “fogo de artifício verbal”; o idioma latouriano servirá, afinal, para tudo aquilo a que se quiser aplicá-lo. E como talvez perguntasse Fuller – no fim de contas, explica o quê? 

Nakajima
Também a contribuição de Hideto Nakajima12 sugere ter sido incluída para que esta série de artigos fosse “academicamente correcta” – neste caso, para que não se veiculasse uma perspectiva exclusivamente ocidental. Mas o árido relato que Nakajima oferece acerca da história dos Science Studies no Japão e da introdução da Estrutura no seu país é decepcionante para quem o lê esperando encontrar alguma perspectiva refrescante. Mais importante do que a cronologia dos Science Studies no Japão, ou até do que a revelação de que Latour tem pouco impacto na cena académica nipónica, é seguramente o apelo do autor a uma nova orientação nos Science Studies, que permita lidar com fenómenos como os de Fukushima. Nakajima apresenta como missão para os Science Studies japoneses a criação de novas linhas conceptuais e metodológicas que possam fazer face ao que designa por “ciência real”. Há um indisfarçável toque nacionalista no modo como apela a este empreendimento, e como classifica as obras dos dois gigantes ocidentais como sendo essencialmente descritivas. No entanto, ainda que tamb e quaisquer proostas concretas oncretas , nte descritivas. Mas o autor toca na questas dos dois gigantes ocidentais como merameém não apresente quaisquer propostas concretas, parece-me relevante o reforço ao apelo pragmático presente noutras contribuições, não meramente no sentido de se promover a explicação em detrimento da simples descrição, mas sobretudo de transformar os Science Studies numa disciplina de intervenção. Uma profunda discussão em torno desta questão é seguramente uma boa forma de celebrar os 50 anos da Estrutura e os 25 de Science in Action

Notas:


 1 V. a introdução de Sergio Sismondo, ‘Fifty years of The Structure of Scientific Revolutions, twenty-five of Science in Action’, Social Studies of Science 42, 2012: 415. Não teço aqui qualquer comentário a este texto uma vez que se trata apenas da apresentação do tema.
2 Hélène Mialet, ‘Where would STS be without Latour? What would be missing?’, Social Studies of Science 42, 2012: 456.
3 Michael Lynch, ‘Self-exemplifying revolutions? Notes on Kuhn and Latour’, Social Studies of Science 42, 2012: 449.
4 Steve Fuller, ‘CSI: Kuhn and Latour’, Social Studies of Science 42, 2012: 429.
5 Stephen Turner, ‘Whatever happened to knowledge?, Social Studies of Science 42, 2012: 474. 
6 V. Andrew Pickering, The Mangle of Practice, University of Chicago Press, 1995, esp. pp. 22-7.
7 Andrew Pickering, ‘The world since Kuhn’, Social Studies of Science 42, 2012: 467.
8 Harry Collins, ‘Comment on Kuhn’, Social Studies of Science 42, 2012: 420.
9 Peter Dear, ‘Fifty years of Structure’, Social Studies of Science 42, 2012: 424.
10 V. Sheila Jasanoff, ‘The idiom of co-production’, in Sheila Jasanoff (ed.), States of Knowledge: The co-production of Science and social order, Routledge, 2004, pp. 1-12. 
11 Sheila Jasanoff, ‘Genealogies of STS’, Social Studies of Science 42, 2012: 435
12 Hideto Nakajima, ‘Kuhn's Structure in Japan’, Social Studies of Science 42, 2012: 462.