Observing New Things: Objects

Sessão de 17 de Outubro de 2013, book-club

Part IV: Observing New Things: Objects (Chapters 11 - 14)

‘Introduction’, pp. 277-280;
Th. Porter, ‘Reforming vision: the engineer Le Play learns to observe society sagely’, pp. 281-302;
M. S. Morgan, ‘Seeking parts, looking for wholes’, pp. 303-325;
O. Dror, ‘Seeing the blush: feeling emotions’, pp. 326-348;
K. Wilder, ‘Visualizing radiation: the photographs of Henri Becquerel’, pp. 349-368.


in Lorraine Daston & Elizabeth Lunbeck eds., Histories of scientific observation, (Chicago/London: The University of Chicago Press 2011).

1 . Algumas palavras sobre os autores (Samuel Gessner)

Como sempre, não faz mal conhecer a trajectória e actual posição a partir da qual um autor se exprime. Nesta secção do livro contam-se pessoas muito distintas e de origens muito diversas: Porter é professor na UCLA no departamento de História (colega de Norton Wise e outros que tratam de ciências). O seu primeiro livro The Rise of Statistical Thinking (1986) analisa já o uso da estatistica na governança e no discurso sobre a sociedade. Morgan é professor de História de Economia na LSE. Tem-se dedicada, pelos títulos das suas publicações, às questões de 'factos' económicos, modelos, o 'natural', e a observação/experimentação. Dror é professor de antropologia médica, e director de  Department of the History of Medicine, Medical Faculty, Hebrew University of Jerusalem. Publicou sempre sobre questões de história da dor, emoção, etc., sécs. XIX e XX. Finalmente, Wilder é reader in Photographic History, na De Montfort University Leicester. Tem publicado sobre o uso da fotografia nas ciências.

2 . Sinopse comparativa dos quatros textos, e uma questão reflexiva (Pedro Raposo)

Nas breves notas que se seguem procurarei abordar esta secção de HoSO do ponto de vista das atitudes do observador, aqui enquanto actor histórico. Farei esta abordagem tendo em mente três tópicos que me parecem relevar, em comum, deste conjunto de textos: i) pressupostos, experiência e conhecimento prévios do observador; ii) categorias de observação; iii) métodos e processos de observação propriamente ditos. Há um quarto aspecto que  subjaz a estes três, e que se prende directamente com o problema das virtudes epistémicas: em cada caso, o que caracterizava o observador ideal?

T. Porter mostra-nos como a crença conservadora de Frederic le Play numa ordem social tradicional o levou a valorizar a observação directa em detrimento dos métodos estatísticos. A categoria de eleição de Le Play, o orçamento familiar, era também objecto de quantificação, mas a narrativa  tinha aqui um maior valor metodológico pois permitia descrever o interior da realidade social. O bom observador não era o observador independente, mas antes o observador comprometido com a realidade que estudava. Na óptica paternalista de Le Play, o melhor observador seria mesmo aquele que tivesse responsabilidade directa sobre os sujeitos observados. 

No texto de M. S. Morgan, a aplicação, em países africanos, de sistemas de descrição económica de origem anglo-saxónica (NIA e PLS) serve para mostrar que o processo empírico de observação pode conduzir à revisão das categorias de observação, e também dos pressupostos que lhes estão subjacentes. Enquanto no ocidente os economistas tomavam o lar como uma unidade fechada, tornou-se necessário atomizar o lar africano para escrutinar os fluxos e trocas que tinham lugar no seu interior. O lar era aqui palco de um vigor económico que escapava às categorias económicas ocidentais, segundo as quais estas economias eram, a priori, tidas como primitivas. A virtude do observador residia então na capacidade de lidar reflexivamente com o seu background cultural e com as suas próprias vivências, no sentido de flexibilizar e readaptar as suas categorias. Morgan salienta aqui o papel da percepção, associada à observação directa, que era influenciada tanto pelo conhecimento teórico do observador como pela sua experiência de vida.

O. E. Dror traz-nos de novo a questão a empatia como forma de observação, que já tinha sido abordada no capítulo de E. Lunbeck. Dror traça a evolução do estudo científico das emoções desde o séc. XIX até ao “paradigma da adrenalina” na primeira metade do séc. XX. Esta evolução correspondeu a uma mudança de pressupostos sobre o fenómeno a observar, que por sua vez se reflectiu nos métodos de observação. A emoção começou por ser encarada como uma experiência subjectiva que, como tal, deveria ser replicada e interiorizada por meio da empatia; segue-se um reducionismo mecéc. XX. Esta evolução correspondeu a uma mudança de pressupostos sobre o fenómeno a observar, que por sua vez se reflectiu nos métodos de observação. A emoção começou por ser encarada como uma experiência subjectiva que, como tal, deveria ser replicada e interiorizada por meio da empatia. Seguiu-se um reducionismo fisiológico que procurava reduzir o fenómeno emocional a processos fisiológicos mensuráveis através de dispositivos mecânicos. A sensibilidade do observador foi assim transferida para o dispositivo mecânico de observação. Já no séc. XX, verifica-se o que Dror apresenta como um  regresso à empatia. Ao observarem estados de elevada excitação, os próprios observadores eram acometidos de reacções extremas, que tinham o cuidado de registar mesmo que não se servissem desse registos nos seus textos finais. Esta afinidade entre as emoções dos observados e dos observadores teriam assim levado estes últimos a definirem a categoria “supremely extreme.” Parece-me, no entanto, que Dror descura um aspecto importante,  que é o facto de, neste último caso, a empatia não ter sido uma opção voluntária, mas antes uma reacção acidental que precisava de ser controlada. Se tivesse prestado mais atenção a esta diferença, Dror oferecer-nos-ia porventura uma discussão muito mais interessante do que o remate feminista com que encerra o seu texto.

Por último, K. Wilder mostra-nos como a cultura visual e a construção de iconografias constituem uma arena de eleição para a procura de credibilidade e reconhecimento. Ciente do papel das imagens na popularidade dos raios X, Henri Becquerel procurou tornar a radioactividade igualmente visível. Para tal empenhou-se na exploração de técnicas fotográficas enquanto formas de observação, explorando essencialmente duas categorias: a reacção das emulsões fotográficas às substâncias radioactivas, e a visualização fotográfica dos próprios raios. A virtude do observador estava aqui em tornar colectivamente observável um fenómeno que é, pela sua natureza, inviconhecimento e tográfica dos pr´ategorias: a reacçrtude do observador estava precisamente em tornar ruiçm as suas prsível.

Na discussão de grupo, procurarei reflectir sobre o modo como os quatro tópicos de análise que orientaram estas notas poderão aplicados às minhas próprias investigações. Gostaria de convidar os colegas a fazerem o mesmo exercício, e a apontarem outros tópicos de relevo que tenham identificado ao lerem esta secção de HoSO. Por último, uma questão de carácter reflexivo que me surgiu ao ler estes testxos, e que gostaria também de trazer à discussão: pode o trabalho do historiador ser considerado como um trabalho de observação do passado? E se sim, quais são então as virtudes “observacionais” que deveremos perseguir na nossa actividade? Julgo que esta questão reflexiva poderá ser interessante para testarmos os limites do próprio conceito de observação, que neste livro é empregue de uma forma ostensivamente lata. 

3 . Notas adicionais e tópicos para discussão (Samuel Gessner)

No que se segue procuro explicar como as minhas experiências de investigação se refletem na leitura desta parte do livro de Daston/Lunbeck. Constato primeiro que os autores Porter, Morgans, Dror e Wilder nos apresentam, cada um, um estudo de episódios (1830-1860, 1940-1960, 1850-1930, 1850-1900) em áreas muito diversas, como formas de 'ciência social', de 'econometria', de 'psycho-fisiologia' e de 'física de matéria'. Cada episódio (todos europeus e oitocentistas) ligado eminentemente a pequenos grupos de individuos por vezes espalhados geograficamente.

Sem prescindir totalmente das referências cronológicas, cada autor está preocupado principalmente com a identificação da categoria de 'observação' elaborada ou praticada por seus actores. Tem que se dizer que um capítulo dentro de uma tal colectânea é necessariamente formatado para fornecer os elementos do seu tópico de forma a tornar a sua análise plausível. Não nos fornece o contexto suficiente para avaliarmos se as fontes e os métodos usados são os adequados para tratar a questão visada. Acresce que nem todos estes casos incluem um papel de destaque para a categoria de 'observação': Le Play parece mais preocupado com questões de 'reforma' social ou de gestão social, e Deans and PLS estavam empenhado em desenvolver uma ferramenta de representação e comparação de macroeconomias, no caso das emoções os problemas de definição ou de quantificação seriam eventualmente tão importantes quanto a observação, e Becquerel tinha o problema 'clássico' de criação de uma nova entidade natural. Quero por isto dizer que todos estes empreendimentos envolviam sempre questões de 'observação' mas nem sempre era esta o problema crucial.
Porter argumenta que a época revolucionária e o ensino na Polytechnique favorecia o uso de Estatística. O seu protagonista Le Play, no entanto, recorre também a outros meios de 'observação' e cada vez mais: ao procedimento usado nos Blue Books, e finalmente ao conselho dado pela élite e pelos sábios – que não pode ser chamado propriamente uma 'observação'.
Morgan mostra um caso, aparentemente clássico, de um esforço de observação económica, que leva modificar o modelo e os conceitos na base do modelo da actividade económica de uma nação.
Dror parece indicar que da emoção só se conservava o nome, mas o que esteve no foco da observação não era o mesmo objecto aquando o paradigma de 'feeling' e aquando do paradigma do 'seeing'.
Wilder finalmente demostra de forma evidente a artificialidade da separação entre as categorias e observação e experimentação na segunda parte do século XIX.

Nestes quatro estudos, há dois aspectos análogos e um problema que aparentemente lhe é comun, e que me chamam a atenção:
1) O aspecto do pluralismo: numa dada área 'científica' parece que um paradigma de observação prevalece, mas os indivíduos apresentados encontram categorias e métodos diferentes ao contactar com práticos de outras tradições, áreas, e podem tentar adoptar, importar esses categorias/métodos. Por exemplo: a economia não interesse apenas os 'economistas' e as propostas de como a observar, mesmo a economia de um país, são tão múltiplas como são disciplinas e meios práticos (governo, comércio, associações e sindicatos, etc.). O que me interesse são os pontos de contacto, e os processos de tradução, transposição, a negociação de credibilidade e autoridade de abordagens: quando Deans colabora com antropólogos, ou vai falar com gestores, comerciantes, oficiais do governo. No caso do conhecimento do “background” do que fala Morgan não se trata de um outro 'corpo de conhecimentos', cada actor tem um conhecimento diferente do 'background', e pode desenvolver a sua própria prática usando conceitos, operações, conhecimentos provenientes de um outro grupo se tiver a oportunidade de se cruzar com ele.

2) O aspecto da trajectória: O espaço e a rede dentro da qual um actor actua não será essencial para perceber as escolhas em termos de modelos, conceitos, e também prática e método de observação? Quando no caso estudado por Porter as escolhas de Le Play aparecem quase paradoxais na sucessão do método estatístico progressivamente para uma 'não observação' e o recorrer aos 'sábios', para mim, pelo contrário, ao notar o espaço no qual Le Play actua (primeiro como aluno da Polytechnique, depois, no final, como Conseil d'État de Louis Napoléon), as escolhas dele parecem adequar-se aos leitores e o público que Le Play visa. A Polytechnique fala do social e da gestão por meios estatísticos, o parlamento e o governo prefere os relatórios, e 'testimonies' de actores (como no tribunal), o imperador rodeia-se de sábios – Le Play é um 'sábio' do segundo Empire.

Por fim, os casos levantam ao meu ver também um problema (metódico/historiográfico) em comum: como é que estes estudos específicos nos ensinam coisas sobre o pensamento e a prática da observação na história? Enquanto casos exemplares, representativos, paradigmáticos? Qual a sua real importância face às centenas de casos paralelos? Tinham um papel na 'transformação histórica' da categoria observação?

Para mim, que trabalho sempre sobre casos específicos, em tempos e lugares precisos, este problema levanta-se com muita frequência. Quem é que nos diz que não temos pela frente um caso muito especial e excepcional? Ou como é que selecionamos os nossos estudos de caso? Como conseguimos ligar o caso com o que se passa antes, ao mesmo tempo, e depois? Estas questões não são abordadas nos textos que lemos – e certamente de propósito, por se tratar de um uso 'filosófico' da história mais do que uma história do conceito e das práticas da observação. Mas essa primeira abordagem parece que está cega para os aspectos do pluralismo e da trajectória acima mencionados

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